10/04/17

Sobre o Laboratório de Dramaturgia do Teatro Meridional

Decorre, até 18 de Abril, a fase de candidaturas à 4ª edição do Laboratório de Dramaturgia do Teatro Meridional / Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Aqui fica o testemunho da minha participação na edição anterior. 

Começo com uma história retirada do livro Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho. Perguntaram um dia a Alexandre Dumas, filho, como se escreve uma peça de teatro. A resposta foi esta: compre um caderno, forre-o muito bem e na primeira linha escreva “1º acto”. Quando chegar ao fim do caderno, a peça está pronta.

Era bom que fosse assim tão fácil! Ou, se calhar, até nem teria graça nenhuma. Quem passou algumas vezes pelo processo de escrita de um texto para teatro, independentemente dos métodos e dos cadernos utilizados, sabe que há dúvidas que nos assaltam a cada página, para não dizer a cada linha ou a cada palavra.

Este Laboratório de Dramaturgia chamou-me a atenção por vários motivos. Em primeiro lugar, pela possibilidade de escrever um texto dramático com o apoio de seis pessoas com experiência em teatro, todas com diferentes sensibilidades. Escrever é, muitas vezes, uma tarefa solitária e a possibilidade de partilhar dúvidas e angústias com pessoas inteligentes e experimentadas revelou-se tentadora.

Em segundo lugar, gosto de escrever com data marcada. Há quem pense que a escrita é incompatível com relógios, agendas ou calendários. Para mim, não é. Quando tenho muito que fazer – e tenho sempre muito que fazer – costumo organizar-me em função dos prazos. Daí que me seja útil ter alguém que me peça para entregar um texto numa determinada data.

Em terceiro lugar, gostei do ponto de partida: teria de haver uma situação inesperada que levasse uma ou mais personagens a permanecer num determinado lugar. E a sinopse teria de mostrar que o texto final seria possível de ser interpretado por, no máximo, quatro actores.

Em quarto lugar, numa fase adiantada do Laboratório haveria uma leitura, feita por actores profissionais, no Teatro Meridional. Era uma excelente forma de experimentar o texto, ouvindo as palavras escritas transformarem-se em palavras ditas, analisando as reacções de quem lê e as reacções de quem ouve.

Em quinto lugar, o processo de selecção dos projectos pareceu-me rigoroso e honesto. Era necessário escrever uma sinopse com 15 mil caracteres (no máximo) e uma cena com quatro páginas (no mínimo). Cada projecto teria um pseudónimo e cada pseudónimo teria uma conta de e-mail para podermos enviar a candidatura.

Resolvi candidatar-me. Andei algum tempo a matutar no assunto, fui anotando ideias, mas a verdade é que não gostava particularmente de nenhuma delas.  Foi num fim de tarde, depois de uma reunião chatíssima e nada produtiva, que comecei a escrever a sinopse e a primeira cena. Inspirei-me numa notícia sobre uma funcionária de um hipermercado que era obrigada a usar fralda para não sair da caixa se precisasse de ir à casa de banho.

Decidi escrever sobre o mundo do trabalho, que é um tema que me interessa, até porque, em quarenta anos de vida, nunca tive um grande emprego. Lembro-me, a este propósito, de uma história que o Woody Allen conta no Annie Hall: duas senhoras estão num restaurante e uma diz “a comida aqui é péssima”; ao que a outra responde “pois, e as doses são tão pequenas”. No fundo, o mundo laboral é isto: os salários são baixos, as condições de trabalho são péssimas e, como se isto não bastasse, os contratos são quase todos a prazo”.

A partir do tema, cheguei à situação e daí às personagens. Escrevi, de uma rajada, a primeira versão da cena e da sinopse e depois dediquei alguns dias a aperfeiçoá-las. Por fim criei a conta de e-mail do pseudónimo, configurei-a para reenviar automaticamente todas as mensagens recebidas para o meu e-mail real, enviei o projecto e esqueci o assunto.

No dia 7 de Março, faz hoje precisamente um ano, recebi um e-mail do Teatro Meridional a dizer que o meu projecto estava entre os três escolhidos. Fiquei a saber, mais tarde, que tinha havido 59 propostas. Recebi esta notícia com alegria, mas também com sentido de responsabilidade.

A primeira reunião ocorreu uns dias depois da notícia. Apresentámo-nos, foi-me dado o primeiro feedback e foi delineado o plano de trabalho. Haveria uma reunião mensal, sempre ao fim-de-semana, para discutir a última versão do texto (que eu teria de enviar mais ou menos uma semana antes). Em Julho, decorreria a leitura com os actores e em Setembro seria entregue a versão final.

Disseram-me logo que eu não era obrigado a seguir todas as opiniões do painel. Até porque, podia muito bem acontecer que os vários elementos do painel discordassem uns dos outros. A opção seria sempre minha. E isto agradou-me.

A liberdade de escrita foi um dos aspectos mais positivos do Laboratório. O mesmo se pode dizer do ambiente informal e descontraído das reuniões, sem que se abdicasse da seriedade e do rigor do trabalho.

Houve imensas sugestões que aproveitei e em que provavelmente não teria pensado. Outras houve que, apesar de não terem sido incluídas na versão final, me ajudaram a olhar para o texto com outros olhos. O mesmo se pode dizer de algumas perguntas que me foram feitas. A título de exemplo, lembro-me que o Tiago Patrício me perguntou se o Cândido era um Candide. A verdade é que nunca tinha pensado nisso. Mas na versão final da peça, há uma frase do Cândido que remete para o Candide do Voltaire.

Também tentei aproveitar, ao máximo, as opiniões dadas pelos actores que participaram na sessão de leitura que decorreu em Julho.

Em Setembro, foi entregue a versão final e, algum tempo depois, soube que o texto ia ser publicado. Aqui está ele, muito bem acompanhado, junto da “Dança das Raias Voadoras” da Ana Lázaro.

Quero agradecer a todas as pessoas que me ajudaram durante este laboratório, aos que fizeram parte dele e a todos os que me apoiaram incondicionalmente, a todas as pessoas que vieram ao lançamento, ao João Eduardo Ferreira, que vem ler… e um agradecimento especial à minha mulher, Carina Bernardo, que me incentivou a candidatar-me, que me sugeriu o título da peça, que me deu espaço e tempo para eu conseguir cumprir os prazos, que me deu sugestões, que encontrou as gralhas que mais ninguém conseguiu encontrar e que até me ajudou a preparar-me para o lançamento.  Muito obrigado.

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