Quando eu andava na Escola Primária,
tínhamos muitas maneiras de nos divertirmos, talvez mais do que hoje.
Jogávamos à bola, ao peão, ao berlinde, à apanhada, às escondidas, ao
mata, subíamos às árvores e, quando não nos apetecia fazer nada disso,
andávamos à pancada. Não era uma brincadeira muito civilizada, mas tinha
as suas regras.
Por exemplo, não se podia travar uma luta
desigual em número. Quando muito, um grupo podia ter uma «claque» maior
que o outro. Também não podíamos bater num rapaz mais pequeno e mais
fraco, a não ser que ele tivesse começado a luta e, ainda assim,
tínhamos que bater com cuidado e deixá-lo dar um murro ou dois. Se um
«grande» se metia com um «pequeno», era desprezado e insultado por
todos, com expressões como «cobarde» e «mete-te com os do teu tamanho».
Lembro-me disto quase diariamente quando
leio os artigos de opinião dos jornais e vejo a maneira como os
colunistas tratam os políticos. Quando um político diz que é preciso
ajudar quem mais precisa e aumentar os impostos sobre os lucros da banca
e as grandes fortunas, já sabe que lhe vão chamar demagogo e
irrealista. Mas se um político falar em despedir funcionários públicos,
baixar salários, cortar direitos sociais, aumentar impostos (à classe
média ou às classes mais baixas), congelar carreiras, aumentar taxas
moderadoras ou fechar escolas, os colunistas utilizam palavras como
“coragem” e “determinação”. Quando se bate nos mais pequenos, há
coragem. Quando se bate nos maiores, há demagogia.
No tempo em que eu andava à pancada,
subia às árvores e jogava ao berlinde, cheguei a pensar que só escreviam
nos jornais as pessoas mais sábias. Hoje, a cada dia que passa,
torna-se cada vez mais claro que a maioria não sabe mais que um miúdo de
dez anos.