22/12/11
As Boas Festas do Senhor Presidente
20/11/11
Vasco Pulido Valente: Para Acabar de Vez com o Teatro
«Em 37 anos não apareceu uma única obra decente de dramaturgia portuguesa. Apareceram romances em grande quantidade, apareceu poesia, apareceram livros de história ou de memórias. Não apareceu uma única peça digna desse nome. Até o Teatro Nacional D. Maria II, na impossibilidade de se ficar eternamente no Frei Luís de Sousa, apresenta geralmente traduções. De resto, não lhe falta só dramaturgia portuguesa. Também lhe falta público. Uma noite no D. Maria é uma noite soturna. Francisco José Viegas cortou o orçamento (um milhão de euros) deste longo equívoco. Foi inteiramente justo. E, quando Diogo Infante resolveu recorrer à intimidação, não hesitou em o demitir. Chegou a altura de acabar com esta ridícula ilusão que em Portugal se chama "teatro".»
Vamos então analisar, parte por parte, este pedaço de demagogia refinada.
1. «Em 37 anos não apareceu uma única obra decente de dramaturgia portuguesa.» O homem até podia ter dito que não apareceu uma única obra-prima. Continuaria a ser discutível, mas não faltam pessoas ligadas ao teatro a dizer o mesmo. Podia dizer que não apareceu um bom texto para teatro. Continuaria a ser mentira, mas uma mentira um bocadinho menos vergonhosa. Mas não. O homem diz que não há obras "decentes". Nem uma única. Nada foi feito nos últimos 37 anos, que é o mesmo que dizer, depois do 25 de Abril de 74.
2. «Apareceram romances em grande quantidade, apareceu poesia, apareceram livros de história ou de memórias.» É a única verdade deste parágrafo, mas que serve apenas para realçar a mentira da inexistência de boas obras de teatro.
3. «Não apareceu uma única peça digna desse nome.» E volta-se ao mesmo, na velha esperança de que a repetição de uma mentira a torne verdade. Abel Neves, António Torrado, Mário de Carvalho, Luísa Costa Gomes, Carlos Alberto Machado, Margarida Fonseca Santos, Laureano Carreira, Armando Nascimento Rosa, Alice Vieira, Jaime Salazar Sampaio, Jorge Silva Melo, Cucha Carvalheiro, Yvette Centeno (para citar apenas alguns) - nenhuma destas pessoas escreveu, depois do 25 de Abril, uma peça "digna desse nome"? Até podemos acreditar que VPV as não conheça, mas querer fazer passar desconhecimento por verdades incontestáveis é desonestidade intelectual.
4. «Até o Teatro Nacional D. Maria II, na impossibilidade de se ficar eternamente no Frei Luís de Sousa, apresenta geralmente traduções.» Frei Luís de Sousa? Ó Vasco, mas afinal não existe uma peça de teatro há 37 anos ou desde 1844? Mas analisemos este "raciocínio". Quererá VPV dizer que um Teatro Nacional só deve apresentar textos estrangeiros em última instância? Então, os espectadores de um Teatro Nacional não têm direito a conhecer o que se faz fora do seu país, mesmo quando existem bons textos nacionais? Que visão tão paroquiana, Vasco!
7. «Chegou a altura de acabar com esta ridícula ilusão que em Portugal se chama "teatro".» Esta frase diz tudo. É ignóbil e nojenta, mas tem uma qualidade: mostra, sem qualquer equívoco, qual é a verdadeira agenda de Vasco Pulido Valente e dos seus comparsas.
O Pesadelo (Micro Conto)
Deixem-me contar-vos o pesadelo que tive uma noite destas. Eu estava na rua, com milhares de pessoas, numa manifestação contra a política do governo. Estava a queixar-me do ministro das Finanças, quando toda gente parou. À minha volta, todos estavam calados e pareciam ter vergonha. À minha frente, só consegui ver as costas de um homem que usava um blazer azul (há muita gente a dizer que sonhamos a preto e branco, mas eu sonho a cores na mesma).
O homem voltou-se devagar: era o ministro das Finanças. Os olhos pareciam bocados de vidro, a cara não tinha expressão, ele olhava-me fixamente. À minha volta, toda a gente tinha desaparecido. Corri quanto pude e entrei num prédio com muitas escadas. Corri tanto pelas escadas acima, que se não fosse um sonho, tinha perdido mais de dez quilos.
Quando cheguei lá acima, só encontrei uma parede branca. Não havia nenhuma forma de fugir ou de me esconder. O ministro estava a chegar, lento mas seguro, com uma faca de metal na mão direita. Pelo menos, não discursou.
Eu sei que isto vai parecer-vos um deus ex machina, mas a verdade é que acordei nesse preciso momento. A manhã ainda era uma criança, a casa estava calada. Olhei para o despertador: eram quase horas de me levantar. Liguei o rádio para ouvir um bocadinho de música, mas em vez disso, ouvi as notícias - foi aí que percebi que continuo a ser perseguido pelo ministro das Finanças.
19/10/11
Sabe mais que um miúdo de dez anos?
12/02/11
«À Custa dos Cidadãos»
Ao contrário do que esperavam, Ulisses regressou, infiltrou-se entre eles, disfarçado de mendigo, e só se revelou quando estava armado com um arco e flechas e tinha acesso a lanças e escudos. Embora ainda tivessem espadas e fossem superiores em número, os pretendentes tiveram medo. Morto Antínoo, o mais arrogante de todos, Eurímaco tentou apelar ao perdão: «reparar-te-emos, à custa dos cidadãos, de tudo o que se comeu e bebeu nesta casa» (Homero, A Odisseia, Edições Europa-América).
Estas palavras bastam-nos para vermos o carácter desta gente. Passaram anos a comer bens que não eram deles e quando chegou a hora de responderem por isso, propõem-se restituir tudo "à custa dos cidadãos". Que respondeu Ulisses a isto? Como é óbvio, matou-os todos, com a ajuda de Telémaco, Eumeu e Filétio.
Claro que Ulisses tinha outras razões para matar os pretendentes: quiseram casar com a mulher dele, quiseram roubar-lhe o poder, tentaram matar-lhe o filho numa emboscada, insultaram-no na própria casa (quando o julgavam um mendigo), tê-lo-iam assassinado se pudessem... Mas, mesmo assim, devíamos reflectir neste episódio.
Sou contra a pena de morte e não acredito na violência. Contudo, às vezes interrogo-me sobre como seria o mundo se, de cada vez que alguém diz "pagamos a dívida à custa dos cidadãos", aparecesse um Ulisses munido de arco e flechas e lhe desse o tratamento adequado. Desconfio que seria um mundo bem melhor.
16/01/11
Baco a Presidente
«
Eis-nos em Tebas,
Cidade fundada pelo antigo rei Cadmo,
Pai de Ino, Agave, Antónoe
E da bela Sémele, que despertou a paixão de Zeus,
Deus dos deuses e das trovoadas.
Apesar de casado com Hera,
Deusa ciumenta e vingativa,
Zeus cortejou Sémele,
Seduziu-a e engravidou-a.
(...)
Para se vingar,
Hera fez Sémele duvidar de Zeus
E convenceu-a a pedir-lhe que se mostrasse na sua verdadeira forma.
Dias mais tarde,
Quando se encontraram,
Sémele obrigou Zeus a jurar que cumpria um pedido seu,
Fosse qual fosse.
Longe de suspeitar do ardil de Hera,
Zeus jurou cumprir a vontade de Sémele
E ela pediu-lhe que se mostrasse tal como é.
(...)
Pesaroso por conhecer as consequências de tal pedido,
Zeus cumpriu a promessa:
Transformou-se num trovão
E fulminou a pobre Sémele,
Que morreu imediatamente.
Mas a criança sobreviveu
E Zeus colocou-o na própria coxa
Para aí terminar a gestação.
É por isso que ele se chama Ditirambo,
Aquele que nasceu duas vezes.
Também é conhecido por Brómio, Diónisos ou Baco.»
Excerto de As Grandes Dionísias, peça livremente inspirada no mito de Baco e n' As Bacantes de Eurípides
Primeiro, Baco temia que a glória do povo português pudesse ofuscar os feitos dele. Ora, nas circunstâncias actuais, a glória do povo português não ofusca ninguém.
Segundo, esses estratagemas foram todos inventadas por Camões. Estou convencido que se Luís Vaz conhecesse os actos cometidos por certo adorador do deus bolo-rei e dos deuses mercados contra o povo lusitano, dez cantos não lhe chegariam para Os Lusíadas. Se, além disso, Camões soubesse que parte do povo português pretende continuar a votar nessa figura, desistiria logo da epopeia.
Com Baco presidente, seriam vetados quaisquer atentados à agricultura (pão e vinho era o lema dos povos antigos), às festas e ao Teatro. Com Baco presidente, os especuladores que andam a ganhar dinheiro com os juros da dívida pública teriam uma sorte bem pior que a de Penteu (assassinado pelas Bacantes, entre as quais estava a própria mãe). Com Baco presidente, talvez o povo voltasse a ter razões para festejar.
Infelizmente, os políticos (e o povo) continuam a adorar os falsos deuses Mercados. E é nisto que reside a Origem da Tragédia.