27 de Março de 2012. Frente ao Teatro D. Maria II vários agentes observam a entrada, em modo de alerta. Terão ouvido dizer que o teatro é uma arte subversiva e levado a expressão à letra? Irão prender todos os espectadores, como acontece no final do «Pai Tirano»? Não nos dava jeito nenhum, que já temos coisas marcadas para amanhã.
Aproximamo-nos.
Um agente comenta: «ele já entrou». Estarão a
perseguir alguém? Entramos, ansiosos por saber quem é o criminoso
que eles procuram. Pedro Passos Coelho fala com alguns funcionários do
teatro, ao lado da esposa, que faz questão de olhar para toda a gente
que entra. Afinal, os agentes estão apenas preocupados com a
eventualidade de uma manifestação espontânea e devem ter
recebido uma remessa de bastões por estrear.
Os
receios são infundados, já que os espectadores fazem
questão de se afastarem do Primeiro-Ministro, que parece estar mais para
ser visto do que para ver. Terá sido um convite institucional para
assinalar o Dia Mundial do Teatro? Espero bem que não, que não
estou com paciência para ouvir discursos.
Entramos
na sala. Sentamo-nos na penúltima fila. Passos Coelho e a mulher sentam-se
mais à frente. Ao lado dele, senta-se Assunção Esteves,
presidente da Assembleia da República. Na mesma fila, mas mais afastados,
estão Francisco José Viegas e João Mota. Afinal, parece mesmo
uma ida oficial ao Dia Mundial do Teatro, razão pela qual estranho a
ausência de Nuno Crato, que tanto tem trabalhado em equipa com Francisco
José Viegas.
Sim,
têm trabalhado em equipa! Graças ao Viegas, os desempregados
vão ter borlas nos museus e descontos nos teatros. Graças ao Crato,
haverá mais professores desempregados. Ora, se isto não
é trabalho em equipa, não sei o que será. Graças a
estes esforços conjuntos, daqui a uns meses vamos ter professores
tão cultos, mas tão cultos, que só Deus sabe o que
ensinariam aos alunos se os tivessem. De resto, se o desemprego já é
transversal a todas as áreas profissionais, a cultura sê-lo-á
também. Há gente em Bruxelas surpreendida com o número de
desempregados em Portugal; imagino como ficarão daqui a uns meses,
quando virem os números das frequências dos museus e dos teatros.
O
que terá levado Nuno Crato a faltar ao teatro? Estará a pensar em
mais formas de destruir a Educação Artística? Não,
que isso já está praticamente feito e demonstrado no documento da
Reestruturação Curricular publicado no dia anterior! É
pena ele não estar ali. Podia aproveitar o intervalo para ir ao palco explicar
o que entende por «disciplinas fundamentais», conceito que me faz
lembrar a minha infância.
Quando
andava na Primária, tive uma professora que lia histórias e
poemas nas aulas e que de vez em quando nos punha a pintar, a cantar e a fazer
fantoches ou pequenas dramatizações. Quando isso acontecia, era
visitada por alguns pais que, de dedo em riste, a intimavam a ensinar “só
o que faz falta”. Quase trinta anos depois temos finalmente um ministro
da Educação ao nível dos analfabetos dos anos 80. É
um bocadinho mais refinado que eles, mas não se pode ter tudo!
A
peça começa. Trata-se de a «A Morte de Danton», peça
histórica da autoria de Georg Büchner. O espectáculo
é denso, mas provoca gargalhadas imprevistas nos momentos em que se fala
em guilhotinar os traidores à Pátria. As “elites”
presentes vêem-no com atenção e até me parece ver o
Primeiro-Ministro tirar apontamentos quando uma personagem diz que a
prostituição é uma forma de trabalho e de combate à
pobreza.
Terminada
a peça, o público aplaude e o encenador Jorge Silva Melo sobe ao
palco, lê a Mensagem do Dia Mundial do Teatro, com a
entoação que esta merece, e sai do palco, sem uma única
referência às sumidades presentes.
O
público começa a levantar-se. Felizmente não teremos de ouvir nenhum discurso político. Olho uma
última vez para Passos Coelho. Vai radiante, o que não é
para menos. Dizem que o homem dedica meia hora por semana à Cultura. A
peça durou mais de três horas e, com o tempo das despedidas
oficiais e do regresso a Massamá, ter-lhe-á dedicado mais de
quatro. Já tem o trabalho despachado para os próximos dois meses!
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