05/04/12

Dia Mundial do Teatro


27 de Março de 2012. Frente ao Teatro D. Maria II vários agentes observam a entrada, em modo de alerta. Terão ouvido dizer que o teatro é uma arte subversiva e levado a expressão à letra? Irão prender todos os espectadores, como acontece no final do «Pai Tirano»? Não nos dava jeito nenhum, que já temos coisas marcadas para amanhã.

Aproximamo-nos. Um agente comenta: «ele já entrou». Estarão a perseguir alguém? Entramos, ansiosos por saber quem é o criminoso que eles procuram. Pedro Passos Coelho fala com alguns funcionários do teatro, ao lado da esposa, que faz questão de olhar para toda a gente que entra. Afinal, os agentes estão apenas preocupados com a eventualidade de uma manifestação espontânea e devem ter recebido uma remessa de bastões por estrear.

Os receios são infundados, já que os espectadores fazem questão de se afastarem do Primeiro-Ministro, que parece estar mais para ser visto do que para ver. Terá sido um convite institucional para assinalar o Dia Mundial do Teatro? Espero bem que não, que não estou com paciência para ouvir discursos.

Entramos na sala. Sentamo-nos na penúltima fila. Passos Coelho e a mulher sentam-se mais à frente. Ao lado dele, senta-se Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República. Na mesma fila, mas mais afastados, estão Francisco José Viegas e João Mota. Afinal, parece mesmo uma ida oficial ao Dia Mundial do Teatro, razão pela qual estranho a ausência de Nuno Crato, que tanto tem trabalhado em equipa com Francisco José Viegas.

Sim, têm trabalhado em equipa! Graças ao Viegas, os desempregados vão ter borlas nos museus e descontos nos teatros. Graças ao Crato, haverá mais professores desempregados. Ora, se isto não é trabalho em equipa, não sei o que será. Graças a estes esforços conjuntos, daqui a uns meses vamos ter professores tão cultos, mas tão cultos, que só Deus sabe o que ensinariam aos alunos se os tivessem. De resto, se o desemprego já é transversal a todas as áreas profissionais, a cultura sê-lo-á também. Há gente em Bruxelas surpreendida com o número de desempregados em Portugal; imagino como ficarão daqui a uns meses, quando virem os números das frequências dos museus e dos teatros.

O que terá levado Nuno Crato a faltar ao teatro? Estará a pensar em mais formas de destruir a Educação Artística? Não, que isso já está praticamente feito e demonstrado no documento da Reestruturação Curricular publicado no dia anterior! É pena ele não estar ali. Podia aproveitar o intervalo para ir ao palco explicar o que entende por «disciplinas fundamentais», conceito que me faz lembrar a minha infância.

Quando andava na Primária, tive uma professora que lia histórias e poemas nas aulas e que de vez em quando nos punha a pintar, a cantar e a fazer fantoches ou pequenas dramatizações. Quando isso acontecia, era visitada por alguns pais que, de dedo em riste, a intimavam a ensinar “só o que faz falta”. Quase trinta anos depois temos finalmente um ministro da Educação ao nível dos analfabetos dos anos 80. É um bocadinho mais refinado que eles, mas não se pode ter tudo!

A peça começa. Trata-se de a «A Morte de Danton», peça histórica da autoria de Georg Büchner. O espectáculo é denso, mas provoca gargalhadas imprevistas nos momentos em que se fala em guilhotinar os traidores à Pátria. As “elites” presentes vêem-no com atenção e até me parece ver o Primeiro-Ministro tirar apontamentos quando uma personagem diz que a prostituição é uma forma de trabalho e de combate à pobreza.

Terminada a peça, o público aplaude e o encenador Jorge Silva Melo sobe ao palco, lê a Mensagem do Dia Mundial do Teatro, com a entoação que esta merece, e sai do palco, sem uma única referência às sumidades presentes.

O público começa a levantar-se. Felizmente não teremos de ouvir nenhum discurso político. Olho uma última vez para Passos Coelho. Vai radiante, o que não é para menos. Dizem que o homem dedica meia hora por semana à Cultura. A peça durou mais de três horas e, com o tempo das despedidas oficiais e do regresso a Massamá, ter-lhe-á dedicado mais de quatro. Já tem o trabalho despachado para os próximos dois meses!

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