Tinha seis ou sete anos quando vi o meu primeiro filme de vampiros. Digo-vos: foi assustador! Os vampiros mordiam o pescoço às pessoas, bebiam-lhes o sangue e depois as vítimas tornavam-se vampiros e acontecia tudo outra vez. Lembro-me de pensar: se fazem isto muitas vezes, não tarda nada, o mundo enche-se de vampiros.
Meus amigos, o meu maior medo tornou-se realidade: o mundo está cheio de vampiros. Vou ao cinema, eles estão lá. Ligo a televisão, eles estão lá. Vou às livrarias, ou até mesmo à FNAC, eles estão lá. Até no teatro! No outro dia fui ver um Shakesperare e o Hamlet já não dizia «to be or not to be», dizia «to bite or not to bite».
Há tantos vampiros neste mundo que até fiquei surpreendido com a reacção de algumas pessoas à frase da FNAC «Troque Os Maias pela Meyer». O Correio da Manhã chegou mesmo a noticiar que o apelo «não caiu bem junto de leitores e intelectuais». Ainda bem que a FNAC retirou o anúncio! Se a frase tivesse ofendido só leitores ou só intelectuais, talvez não valesse a pena. Mas se ofende leitores e intelectuais, então a coisa é mesmo grave. Há quem diga que o CM é um mau jornal, mas é dos poucos que nos ensina a fazer distinções subtis, já que há quem pense que os intelectuais lêem e os leitores utilizam o intelecto.
Mas deixemos agora os livros e foquemo-nos nas telenovelas americanas, vulgarmente conhecidas por «soap operas». Antigamente a intriga era sempre a mesma: um rapaz pobre apaixona-se por uma rapariga rica, mas os pais dela já lhe marcaram o casamento com um rapaz rico. Hoje a intriga é completamente diferente: um vampiro pobre apaixona-se por uma vampira rica, mas os pais dela já colocaram a capa e já lhe foram marcar o casamento com um vampiro rico. E, claro está, esta história original ocorre na bela e solarenga Califórnia, onde todos os vampiros são bonitos, conduzem Porsches e podem apanham o sol que quiserem.
Reside aqui, aliás, outra novidade em relação às histórias tradicionais de vampiros. Enquanto o Nosferatu e o Dracula se preocupavam com o nascer do sol, os novos vampiros preocupam-se com coisas importantes como borbulhas, compras e a roupa que vão usar na próxima festa em Malibu. Isto torna as histórias de hoje mais assustadoras que as antigas. As crianças têm medo que os vampiros conquistem o mundo. Os adolescentes têm medo que a Melissa compre um vestido igual ao da Kate e que isso provoque uma grande luta no liceu dos vampiros. E os adultos têm medo que as televisões nunca mais parem de produzir estas coisas.
Bem, já que estamos a falar de medo, vou contar-vos uma ideia que ando a congeminar para um filme de terror. A primeira cena é uma espécie de homenagem ao Shining e passa-se num hotel enorme onde só vive uma família. O personagem principal, um escritor parecido com o Jack Nicholson, está frente à máquina de escrever, chama a mulher e o filho e diz que acabou de escrever um guião para um filme de adolescentes vampiros. Assustador, não é? Então esperem pela cena seguinte: num estúdio de televisão, um realizador dá indicações a miúdos que “representam” como os dos «Morangos com Açúcar»!
Consciente de que as pessoas podem não conseguir aguentar tanto terror, aparece uma personagem que vai aliviar um bocadinho a história: um assassino em série. Na verdade, este personagem simpático é apenas alguém que já não consegue aguentar mais modernices vampirescas. Então, faz-se passar por um empregado de catering, coloca uma bomba no estúdio e quando ela explode, morrem cinco pessoas de uma só vez. Depois deste momento de alívio o terror volta a instalar-se na cena seguinte: o produtor bate na mesa e afirma que não está disposto a desistir do filme!
Entretanto o guionista vai à produtora tentar saber a razão de ainda não lhe terem pago (qualquer semelhança entre isto e a vida real terá sido mera coincidência), fica a saber do atentado e começa a investigar pelos seus próprios meios, até que consegue descobrir onde vive o assassino. Entra em casa dele e descobre a fotocópia de uma lista com o nome das pessoas envolvidas na criação do filme: os actores, o realizador, os técnicos, o produtor, os assistentes de produção, até os tipos que só fazem as sandes e tiram os cafés.
O guionista telefona para a produtora para avisar do que se passa, mas ninguém atende. Ele deixa mensagem a pedir que lhe liguem urgentemente, mas como é apenas o guionista, ninguém faz caso. O atentado ocorre nesse mesmo dia e mata toda a equipa das filmagens. Assustado, o guionista pensa em fugir, mas olha uma última vez para a lista e repara que o assassino se esqueceu dele.
O escritor suspira de alívio e agradece a Deus por viver num país onde que toda a gente, incluindo a Sociedade Portuguesa de Autores, se esquece de quem escreve guiões. Volta para casa, destrói todas as cópias do guião e senta-se, satisfeito, julgando estar finalmente livre do terror. Mas então liga-se à internet, abre o e-mail e descobre que houve alguém que não se esqueceu dele: o Ministério das Finanças!
E pronto, é isto. O que é que vos parece? Faço um filme ou escrevo um livro? Se calhar, escrevo antes um livro, que é coisa mais do agrado da Secretaria de Estado da Cultura. Depois é só procurar uma boa editora, divulgar bem a coisa e fazer o lançamento numa livraria. Ou mesmo na FNAC!
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